Assista a cena e depois conversamos:
Pois é... Como pudemos ver, a Zed achou que era a famosa Estrela de
David (Maguen David). Mas Constantine explicou que se tratava do Taba’at
Shlomon (Anel de Salomão) e que esse selo era usado pelo Rei Salomão para
aprisionar gênios (Jinni) e que este selo é perfeito para confeccionar
recipientes que aprisionam demônios.
Tá, beleza... É só um seriado de TV baseado em um personagem de
Histórias em Quadrinhos. Mas de onde os autores do episódio (David S. Goyer e Cameron Welsh)
tiraram essa idéia? Pois aparentemente, isso não é nada judaico. Ou é?
Gênios ou demônios.
Na cena de Constantine, primeiramente ele diz que Salomão recebeu esse
anel diretamente do Céu para aprisionar gênios. E conclui que o anel é tão
poderoso que consegue aprisionar demônios. Mas afinal, qual a diferença de
gênio e demônio?
Gênio – Da palavra árabe “Djin” – Fazem parte tanto da tradição árabe
pré e pós islâmica. São seres elementares de livre arbítrio criados antes da
criação da alma de Adam (Adão). Não confundir com os anjos (Melachim) pois os
anjos são mensageiros e nãopossuem livre-arbítrio. Quando o Eterno criou Adam,
eles se rebelaram contra D’us, pois não aceitavam a nova criatura. Pela sua
rebeldia, foram expulsos do Paraíso se tornando seres perversos. Seu líder
Ibilis foi atirado com todos os outros Djini na Terra.
Demônio – Da palavra Daemon ou daimon (grego δαίμων,
transliteração dáimon, tradução "divindade",
"espírito"), é muito semelhante aos gênios da mitologia árabe. A palavra daimon se originou com os gregos na Antiguidade; no entanto, ao longo da História, surgiram diversas
descrições para esses seres. O nome em latim é dæmon, que veio a dar o
vocábulo em português demônio.
No fim das contas, dá no mesmo. São mitos de povos
diferentes, mas com muita semelhança em comum. Ambos são seres elementais que
infernizam a vida das pessoas. É possível se especular que, a semelhança dos
mitos eram tão parerecidas, que tanto não seria difícil que se fizessem uma
ligação entre esses espíritos malignos e em um determinado momento, o mito do
Anel de Salomão fosse usado tanto para os djinni quanto para os Daemon.
O que diz o Talmud sobre o Anel de Salomão?
Sim... é de origem judaica. Há um registro muito, muito, muito doido
sobre o Anel de Salomão no Talmud, tratado de Gittin 68a-b. Nessa guemarah, os
rabinos discutiam sobre o fato de que não se ouvia barulho de machado, martelo
ou qualquer outra ferramenta na Construção do Primeiro Templo. Quando os
rabinos questionaram como foi possível cortarem as pedras sem ferramentas de
ferro, foi respondido que foi usado o Shamir. Não se sabe exatamente a natureza
desse shamir. Maimônides e Rashi comentam que o shamir era um animal que
cortava as pedras com o olhar. Já o testamento de Salomão diz que o shamir era
um mineral verde retirado do Efode do Cohen Gadol (Sumo Sacerdote). Já, nas
versões traduzidas cristãs, shamir é erroneamente traduzido como diamante ou espinhos.
Por que erroneamente? Pois shamir é shamir e pronto, não tem tradução! Seja lá
o que era esse shamir, deixou os rabinos em dúvida e curiosidade. A questão
era: Como matar essa curiosidade. Alguns rabinos disseram:
“Traga uma demônio macho e fêmea e os amarrem juntos; talvez eles saibam e irão lhes dizer. Então ele [Salomão] trouxe um demônio macho e uma fêmea e os amarraram juntos. Eles [Os demônios] disseram a ele [Salomão]: Nós não sabemos, mas talvez Ashmedai [Asmodeus] o príncipe dos demônios saiba. Eles [os demônios] Disseram [para] Ele [Salomão]. Ele [Salomão] disse a eles [os demônios]: Onde ele [Asmedai] está?” Talmud Bavli - Gittin 68a-b
Sim, isso mesmo que vocês leram. De acordo com o Talmud, havia alguma
coisa que tinha o poder de cortar
pedras chamada shamir. Então Salomão querendo
ter posse desse shamir para cortar as pedras do Templo, prendeu dois demônios
macho e fêmea e perguntou para eles onde estava o shamir, os demônios não
sabiam mas seria possível que o demônio Asmedai (Asmodeus) – o príncipe dos
demônios – soubesse aonde estava o shamir. Na mesma hora, Salomão perguntou
aonde estava Asmedai. O casal de demônios amarrados, disseram que Asmedai
estava em uma certa montanha, onde Asmedai havia cavado um poço e enchido com
água e cobriu com uma pedra e a lacrou com selo. Todo dia ele subia aos céus e
estudava em uma Academia Celeste e depois descia para estudar na Academia
Terrena e depois examinava o selo. Abria o poço e bebia da água, fechava e
lacrava o poço de novo e ia embora. Então, Salomão (que era muito inteligente, em
vez de ir, mandou outra pessoa em seu lugar para prender o demônio) mandou pra
lá Benaiahu filho de Jehoiada, dando a ele uma
corrente na qual estava inscrito o nome Divino e um anel (finalmente, o anel)
que também estava escrito o Nome do Eterno. Levou uma tosa de lã e uma garrafa
de vinho. Benaiahu cavou um poço um pouco mais abaixo da montanha fazendo com a
água fosse drenada. Depois tapou o dreno com a lã. Agora com o poço vazio,
Benaiahu pôs vinho no poço. Depois
se sentou em uma árvore e esperou Asmedai cair na armadilha. Não tardou para
que Asmedai fizesse sua visita diária a Terra e dar aquela examinada básica no
selo de seu poço e beber uma água. Só que ao invés de água, o poço tava cheio
de vinho. E todos sabem o que acontece quando se bebe vinho. Pois é, o Príncipe
dos Demônios ficou doidão e caiu no sono. Daí é só seguir a lógica. Com o Asmedai bêbado, Benaiahu desceu
da árvore e acorrentou o Coisa-Ruim dizendo: “O Nome do seu Mestre está sobre
vós!”
Ilustração mais conhecida de Asmedai (Asmodeus). |
Então Benaiahu filho de Jehoiada levou o Coisa-Ruim
para Jerusalém. No caminho rolou uma porção de tretas muito loucas (que eu
preferi suprimir, pois é enorme e não irá influenciar na pesquisa sobre o
Shamir e o Anel de Salomão. Talvez quem sabe em uma outra oportunidade).
Continuando... Quando o Tinhoso chegou em Jerusalém teve uma audiência com o
Rei Salomão que disse ao demônio:
“[Rei Salomão diz:] O que eu quero é construir o Templo e eu preciso do shamir. Ele [o Demônio] disse: Não está em minhas mãos, está nas mãos do Príncipe dos Mares que apenas dará [o shamir] para o pica-pau a quem ele [O Príncipes dos Mares] confiou [a guarda do shamir] em juramento.” – Gittin – 68a
O que um pássaro vai fazer com o shamir?! De acordo
com o que se segue no Talmud, o pica-pau leva o shamir para o alto de uma
montanha que não possui vegetação e coloca na ponta de uma pedra. Então shamir
se divide e nascem sementes. Então o pica-pau pega essas sementes e as cultiva.
Assim que Salomão descobre que o shamir pode estar
com o pica-pau e o pica-pau deve estar na montanha, mais uma vez, Benaiahu
filho de Jehoiada foi lá e fez outra armadilha. Dessa vez ele encontrou o ninho
do pica-pau, pois um vidro branco cobrindo o ninho e esperou. O pica-pau (que
não era tão esperto quanto o seu primo dos desenhos) tentou várias vezes entrar
no ninho sem sucesso. Então ele se lembrou e foi buscar o shamir, que corta
qualquer coisa. Quando o pica-pau começou a cortar o vidro, Benaiahu deu um
susto no pássaro, que voou pra longe deixando cair o shamir. Benaiahu na hora
pegou o shamir e levou para o Rei Salomão. Mais tarde o pica-pau suicidou por
vergonha de ter quebrado o juramento ao Príncipe dos Mares (Também conhecido
como Rahav or Rahab).
Daí já sabemos. Salomão construiu o templo usando o
shamir para cortar as pedras. Salomão manteve o Asmedai (Asmodeus) até o fim da
construção do Templo. Mas num belo dia... Quando Salomão estava sozinho como
Asmedai e começou a conversar com o Coisa-Ruim. Salomão disse que ele o teve
como se fosse to'afot reem. Salomão se referia à passagem da Torah em
Shemot/Números:
אל מוציאו ממצרים כתועפת ראם
D’us o tirou do Egito; as suas forças são como as do boi selvagem - shemot/números
24:08)
Salomão então explica que to’afot significa
comandar anjos e reem significa comandar demônios. Nesse momento, Asmedai
desafia Salomão e pergunta qual a superiodade que Salomão tinha sobre os anjos
e demônios. Depois disse:
“Tire essas correntes e me dê seu anel. E eu vou te
mostrar.” (Gittin 68b)
E aceitando o desafio do Cramulhão, Salomão tirou
as correntes e deu-lhe o anel. Assim que Asmodeus pegou o anel, o engoliu. Então
colocou uma asa no céu, outra na terra e arremessou o Rei Salomão 400 parasangs (1 parasang equivalem a 6 Km.
Logo, Salomão foi arremessado por 2400 Km) começando assim o exílio do Rei
Salomão enquanto quem estava no trono era o demônio Asmedai. Mas isso é uma
outra história para outra ocasião.
Eu num disse que o bagulho era doido?
Por fim, podemos dizer que sim, o mito do Anel de
Salomão é de origem judaica e como no episódio de Constantine, tem o poder de aprisionar demônio. O Anel de
Salomão não está só documentado no Talmud, mas também Josephus ("Ant."
viii. 2, § 5) narra o episódio em que Eleazar exorciza um demônio na presença
de Vespasiano através de um anel, usando encantamentos compostos pelo Solomon Fabricius (Artefato de Salomão).
Hexagramas apareciam em proeminentes literaturas
esotéricas judaicas no início do período medieval e alguns autores levantam a
hipótese que o Selo de Salomão possam preceder antes do início do Islã (Século
6 e.c) e datar do início da tradição esotérica rabínica, ou no início da
alquimia do judaísmo helenizado do século 3 e.c no Egito. Mas não há evidencias
que comprovem. Mas há evidencias concretas de que entrou na tradição
cabalística pela Espanha medieval (Sefarad) através da literatura árabe.
Leia também: Tatuagem em hebraico em John Constantine.
Leia também: Tatuagem em hebraico em John Constantine.
A influência árabe.
E como eu disse no início, o Anel de Salomão é
judaico e ao mesmo tempo também não é judaico. Haja vista que outras culturas
também absorveram a ideia do anel de Salomão. Os árabes, não só absorveram essa
cultura, mas também a desenvolveu inserindo novos elementos.
Foram os árabes que nomearam as estrelas de seis
pontas gravadas nos fundos dos copos como Selo de Salomão (Onde selo pode ser
interpretado como sinete). Está relacionado à história das “Mil e uma noites”
(Capítulo XX) no qual Sinbad, em sua sétima viajem, presenteia Harun AL-Rashid
um copo no qual havia uma tabula de Salomão gravado em seu fundo.
Os escritores árabes declararam que também que
Salomão recebeu quatro jóias de diferentes anjos, e ele os colocou em um único
anel (Não, não confunda com o Um Anel do O
Senhor dos Anéis) assim podendo
controlar os quatro elementos. Também foram os árabes que usando a tradição
judaica de que o anel possuía o Mais Importante Nome de D’us (alguns autores
diz se referir ao tetragrama ou quem sabe o nome de 72 letras?), acrescentaram
o fato de que o anel foi dado diretamente do Céu. O anel era feito de bronze e
ferro e as duas partes eram usadas para selar documentos de comando para
espíritos bons e maus. Em um dos contos, o demônio Asmedai (Asmodeus) – (alguns
dizem que foi Sakhr) tomou o anel e reinou por quarenta dias. Em uma variante
do conto do anel de Policrates de
Heródoto, o demônio eventualmente
jogou o anel ao mar que foi engolido por um peixe. Depois o peixe foi capturado
por um pescador que devolveu o anel ao Rei Salomão. Na escatologia muçulmana, o Dabbat
al-ard (a Besta da Terra) possui o
cajado de Moisés e o Selo de Salomão e usará para estampar o nariz dos infiéis.
Voltando aos Quadrinhos.
Seraph possui o Anel de Salomão |
O herói Seraph - DC Comics |
Não posso terminar de falar de O Anel de Salomão sem mencionar o mais
judeu de todos os super-heróis judeus. Sim, estou falando do Seraph. E por que
ele é o mais judeu dos judeu?? Pois ele nasceu em Israel e não nos Estados
Unidos. Seraph, Um professor judeu de Israel de nome Chaim Lavon. Ele possuía a
força de Shimshon (Sansão), o cajado de Moisés (que aumentava de tamanho e
produzia terremotos e controlava os mares), o manto de Elijah (Elias - Que dava
a Seraph certa invulnerabilidade) e claro o Anel de Salomão (Que dava
inteligência e o teleportava para qualquer lugar).
Brevíssima conclusão
Eu sempre fico contente ao ver autores que se preocupam com pequenos
detalhes e fazem o dever de casa quando escrevem livros, seriados, filmes, etc.
Os autores desse episódio estão mais de que de parabéns.
O que achei super digno de nota, foi o fato de que foi usado o Anel de
Salomão para aprisionar um demônio. Segundo a conversa entre Constantine e a
Zed (Se vc não viu o vídeo que eu pus no início do post, não se
preocupe, eu pus de novo aqui em baixo). Mesmo com poucas palavras, os autores
disseram muita coisa. Inciando com o fato de que o Selo de Salomão não é a
Estrela de David (Maguen David). Depois ele explica que Salomão usava o anel
para prender gênios (djins), e os autores o fizeram o Constantine gravar o selo
de Salomão em uma garrafa, uma bela alusão aos mitos dos gênios na garrafa das
Mil e Uma Noites. E por fim, a relação entre gênios e demônios.
Claro que há outras conexões bem interessantes no episódio. A questão do
nome: “Feast of Friends” (Banquete de amigos). Onde um antigo colega de banda de
Constantine e viciado em drogas pesadas, soltou um Demônio de Fome. Esse
demônio é possui uma fome voraz e obriga a pessoa incorporada
incontrolavelmente matar o desejo de comida e paralelo a isso, o amigo do
Constantine também é incontrolável em sua necessidade por drogas e de pano de
fundo, esse demônio de fome agia no Sudão, se aproveitando da fome das pessoas
miseráveis. Muitos paralelos e conexões interessantes que merecem ser
apontadas.
E terminando esse post, vou deixar uma pergunta no ar. Se você leu esse
post até aqui eu te pergunto: Qual a diferença entre a Estrela de David e o
Selo de Salomão?
Leia também: Tatuagem em hebraico em John Constantine.
Leia também: Tatuagem em hebraico em John Constantine.
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